sábado, 16 de setembro de 2023

Professora da UNIFAP com tornozeleira eletrônica

Verena Lúcia Corecha da Costa terá uma biografia e tanto para contar em seu livro de memórias. Ela ingressou no magistério público federal na Universidade Federal do Amapá em julho de 2021. O término do contrato só se deu em agosto de 2023. Legalmente, tudo certo, professores substitutos (sem concurso público) exercem cargos temporários de no máximo 2 anos.

O detalhe é que Corecha saiu da cadeia em 22 setembro de 2022. A 1º Vara Cível Criminal de Macapá converteu a prisão da advogada em regime domiciliar com monitoramento eletrônico. A professora da UNIFAP foi presa em 14 setembro de 2022 numa operação denominada Queda da Bastilha, da Polícia Federal. Ela foi parar no xilindró junto com um delegado da polícia civil, Sidney Leite, e os também advogados José Antônio Marton e Ana Karina Guerra. Todos acusados pelo Ministério Público Federal por envolvimento em facção criminosa atuante no Estado. Entre as acusações: tráfico de drogas, associação para o tráfico, organização criminosa, corrupção ativa e passiva, prevaricação, falsidade ideológica e lavagem de capitais.

No inquérito, a Polícia Federal evidenciou um esquema para evitar a instalação de tornozeleiras eletrônicas em detentos liberados para o regime domiciliar. A defesa da professora da UNIFAP argumentou que Corecha tem “um casal de filhos pequenos”. O juiz da Vara Criminal de Macapá permitiu a tornozeleira, “devendo a requerente permanecer em sua residência localizada no bairro do Trem", na mesma capital. De fato, Corecha residia em setembro de 2022, no Bairro do Trem em Macapá, mas a UNIFAP a contratou como professora no campus Binacional do Oiapoque, a mais de 570 quilômetros da Capital.

Nesta semana, Verena Lúcia Corecha da Costa foi aprovada como primeira colocada na fase inicial do concurso público para provimento de cargo para professor efetivo do magistério superior na UNIFAP. Como professora substituta, ela recebeu, entre julho e fevereiro de 2023, salários em torno de R$3600 para ministrar aula aos alunos do curso de Direito da UNIFAP. Se for alçada em concurso público para cargo de professora efetiva, com estabilidade funcional vitalícia, o salário passa para mais de R$5mil. A segunda fase do concurso acontece neste domingo.

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

UNIFAP: mais um concurso que vai virar água


A Universidade Federal do Amapá aproveitou mais uma oportunidade de passar vergonha. No último dia 10 foi realizado, em meio a tumultos em salas, falta de provas impressas em envelopes e bate-boca entre comissão executora com candidatos o concurso público 07/2023. O certame está destinado a selecionar professores para o Campus Oiapoque – binacional e Santana. Numa das vagas, marcada para o curso de Direito, Luana Castelo Branco Barros, irmã do vice-coordenador daquele mesmíssimo curso foi pontuada com média de 9,17, acima de mestres e doutores, que participaram do quadrante, vários deles desclassificados por não terem feito uma boa prova. Luana não tem experiência acadêmica, não tem títulos acadêmicos, além da graduação em Direito e uma especialização, mas é irmã de Tancredo Castelo Branco Neto, e está com processo de contratação aberto na própria UNIFAP para o cargo de professora substituta (temporária). Seu irmão, foi nomeado vice-diretor do curso de Direito em outubro de 2022. A coordenadora do curso Cindi Veridiana de Almeida Pinheiro está na banca de Luana.

Na manhã desta quarta-feira, divulgados os resultados provisórios do concurso, a UNIFAP teve uma enxurrada de recursos administrativos protocolados a respeito do mesmo certame em outras vagas. Numa delas, também destinada ao curso de Direito, Verena Lucia Corecha da Costa encontrou um lugar de destaque em meio a advogados experientes, mestres e até doutores. A candidata foi professora temporária no curso de Direito da UNIFAP, também no ermo campus Binacional do Oiapoque, sua única experiência acadêmica. Ela alcançou nota 7,17, em primeiro lugar. Em redes sociais, ela se apresenta como “professoras universitária, especialista em investigação criminal”, mas esquece de mencionar a UNIFAP.

Existem bons motivos para o concurso terminar judicializado pelos candidatos que entraram com recursos. Eles pedem a suspensão de bancas em virtude de um vício administrativo de origem: a Comissão de Operacionalização do Processo Seletivo (COPS), portaria 1472/2023, assinada pelo pro-reitor Christiano Ricardo dos Santos, indica seus próprios membros como avaliadores nas bancas. Entre a comissão que trabalhou no dia da prova e as bancas avaliadoras, nomes se repetem: como o do professor Antonio Sabino da Silva Neto e Jose Caldeira Gemaque Neto, ambos professores de direito originários do campus Binacional do Oiapoque. Ou seja: num dia os professores estavam manuseando provas e administrando salas com dezenas de candidatos, no outro lendo as provas e aprovando colegas em concurso público para professor efetivo. O edital exige que as avaliações sejam lidas de maneira “cega”, sem que os avaliadores saibam de quem são as provas que estão manuseando.

A prova didática que confirmará as vagas do concurso deve acontecer no próximo domingo. A UNIFAP não abre turma para o curso de Direito do Campus Binacional há 4 anos, alega falta de professores.

sábado, 2 de setembro de 2023

Carta ao Reinalo Azevedo, sobre o assunto mais chato da filosofia política: devemos silenciar um silenciador?

Seu trabalho hoje é o mais apodítico do jornalismo opinativo nacional. De fato, são poucos em condição de fazer mea-culpa para uma categoria como as dos jornalistas e levo em conta que aqueles que vem desempenham essa função estão beirando as raias da indigência. Mesmo que o papel de ombudsman da imprensa toda seja um papel deveras abstrato, reconheço-o quase que exclusivamente no senhor. Dito isso, notei, com várias audiências de seu programa, um profundo apreço pelo, assim chamado, “paradoxo da tolerância” do Karl Popper. De fato, A Sociedade Aberta e Seus Inimigos é uma das grandes obras primas do pós-guerra. Apenas, a li com muito cuidado pelo seguinte: Popper é um epistemólogo e, na Filosofia, a genialidade do problema da Liberdade é tão amplo que pode ser adotado por quase todos os ramos dos conhecimentos filosóficos. O que me parece acontecer é que eu, e acredito inclusive o senhor, coincidimos na análise da questão da Liberdade pela filosofia política, com seus vieses sociais e, inclusive, bem delimitados por Rawls, Arendt e o velho I. Berlin. Daí decorre que temos vantagens que o pessoal da epistemologia não tem. E Poppper não pareceu ter. Não precisamos, diferente deles, nos preocupar com a liberdade da necessidade, ou da vontade, somos herdeiros de uma liberdade utilitária tal qual Mill, sem arrastar asas para a liberdade positiva de Kant a todo momento. Podemos, com naturalidade insistir com nosso interlocutor que estamos falando de liberdade no sentido de ausência de impedimentos e mantemos o assunto sobre controle.

Mas não lhe escrevo para falar das coisas com as quais concordamos. O caso é que, como homem da epistemologia, Popper fez um livro de epistemologia para filósofos políticos. Sua grande crítica, me parece, é identificar os inimigos da sociedade aberta como aqueles atrelados a um tipo tacanha de neo-platonismo, uma filosofia política que pudesse ser realista “como se” se relacionasse diretamente com o Mundo das Ideias, o fim da história, uma utopia realista (com o perdão da necessidade do termo absurdo). Creio que essa seara só pode ser entendida com mais vagar e calma em um texto do Habermas, sobre a “Modernidade como projeto inacabado” (também famosinho no problema da exigência que apenas a chamada pós-modernidade trouxe: consertar a sociedade, sem poder pará-la, como se conserta um barco que não pode nunca ser levado para o porto ou ancorado).

Pois bem, Popper não acreditava, creio eu, no paradoxo da tolerância da forma como ele ficou famoso e distribuído na internet através de meme. Não acredito que ele tenha se preocupado com o tema como um politólogo o faz. Logo, a resposta ao problema não é “a tolerância irrestrita leva a sociedade à movimentos totalitários, intolerantes por sua natureza política. Evitemos isso a todo custo”. Essa me parece ser uma resposta objetiva e realista do ponto de vista da relação entre Política e Mundo das Ideias. Platão a deu para criticar a democracia, reconhecendo que um dos problemas da massa poderia ser a agressão de indivíduos que dela discordassem. As variantes do problema são reapresentadas por Tocqueville e até por Mill e se estabelece assim a recomendação indelével da preservação da consciência individual, diante da multidão de autocratas.

Em Popper, outrossim, o paradoxo está em uma nota de rodapé do livro e lá, pasmem, Popper é muito mais utilitarista do que Mill jamais foi! A alegoria que Popper repete, na minha opinião, é muito parecida com aquela do autor londrino na obra Sobre a Liberdade. Só para contexto: lá, Mill vai nos limites das vias de fato quando resolve “limitar” a opinião de um grupo de disruptivos, traduzo:

 

Não se pretende que as ações devam ser livres como as opiniões. Ao contrário, as opiniões sempre perdem sua imunidade quando as circunstâncias nas quais elas são expressas são tais como as que constituem sua expressão uma instigação positiva a algum ato permissivo. Uma opinião de que negociantes de milho são inimigos dos pobres, ou de que a propriedade privada é pilhagem, deve ser imperturbável quando apenas circula entre a imprensa, mas pode justificar incorrer em punição quando oralmente proferida para excitar uma insurgência montada diante da casa de um negociante de milho, ou quando dirigida em meio à mesma insurgência no formato de um cartaz (CW XVIII:260).

 

Peço desculpas pela tradução. “Mob” não é uma mera “insurgência”, está mais para um grupo de bandidos, mafiosos, mas vendo e revendo, não encontrei outra forma de traduzir.

Observado isso, mais uma fez, tento fazer o que também o vejo fazer no seu programa de rádio: distingo a razão da Modernidade da balbúrdia dos pós-modernos. Entendo que opiniões radicais, controladas dentro da minha sala de aula na universidade ou em debates controlados pelo senhor na emissora de rádio ou jornais, não se equivalem a grupos de mafiosos plantados propositalmente na frente de quarteis. Noto que uma opinião organizada sobre desobediência civil, tiranicídio ou defendendo pena de morte expressa em um evento civilizado é algo muito diferente de um (deus nos perdoe!) podcast do Monark!

Escrevo-lhe sobre isso porque gostaria de lembrar que não me parece que Popper saiu criticando o mero movimento dos intolerantes que, sim, deve ser combatido pela sociedade civil. Popper, de fato, parece ter sido deveras tolerante com os intolerantes, quando escreveu o seguinte sobre a República:


 

Diante do chamado paradoxo da tolerância, o rancor de Platão à democracia talvez nunca tenha sido mais bem exemplificado: é o reconhecimento da contradição interna de que a democracia nos leva com mais facilidade à tirania do que qualquer outra forma de governo conhecida pelos gregos. Não faz parte do projeto platônico a liberdade como sendo o reino da eterna vigilância. Não cabe ao grande filósofo do Mundo das Ideias fazer compreender que o processo paradoxal da democracia é de fato só paradoxal mesmo; e daí? Ele excluiu o caminho sem o cogitá-lo, fiel a República como o espaço do perfeitamente justo. Seriamos nós capazes de não reconhecer que as pistas já estavam lá, justamente quando Platão, na República, fala de Justiça. Popper não é anti-platônico num sentido tão simples que pode ser reduzido ao paradoxo da democracia. Justiça nas sociedades modernas é algo mais amplo do que “dar a cada um o que lhe compete”, estar de acordo com o melhor para o Estado, ou como prefere Popper (deste vez, não em nota de rodapé, mas no corpo do texto, pág. 103): “igual distribuição do ônus da cidadania, isto é, das limitações de liberdade que são necessárias na vida social”. Popper, moderno tal qual Kant, é o primeiro a reconhecer que a liberdade, assim como o voo da pomba depende justamente daquilo que o limita: o ar sem o qual o voo não seria apenas dificultado, mas impossível. Nem pombas voam no vácuo; nem democracia funciona sem tolerar intolerantes em um grau que torna nossas vidas insuportáveis.

“Não quero implicar que devamos sempre suprimir a manifestação de filosofias intolerantes; enquanto pudermos contrapor a elas a argumentação racional e mantê-las controladas pela opinião pública, a supressão seria por certo pouquíssimo sábia”. Popper reclama o direito de não tolerar os intolerantes muito antes do patrimônio público ser atingido pelo terrorismo, mas – para criticar Platão! – foi deveras tolerante com os intolerantes, pois foi um moderno em meio a uma pós-modernidade já instalada. Tal qual teus antecessores e sucessores, liberais como gostamos de ser, Popper apostou num iluminismo que chamava a razão aqueles apegados à deia de liberdade abstrata anterior à modernidade, ou como lembrou Habermas: não basta o ódio de Platão a democracia, o projeto de burguês pós-moderno nega a modernidade, sugere uma volta “conservadora” a um mundo que não existe mais, onde ele não era apenas burguês como projeto. Popper foi antes de tudo uma pedra angular protegendo a democracia em uma arquitetura completamente platônica, idealizada, perfeccionista no narcisismo tanto dos intolerantes quanto daqueles dispostos a sair por aí consertando o mundo.

Desejo saúde eterna e sobriedade perene.

Obrigado pelo seu trabalho.

terça-feira, 20 de junho de 2023

Paradoxo de Shimo

Confesso que a ideia original deste texto veio do Rogerio Skylab, mas como sou amigo do Shimo, dou-me o direito de batizar do jeito que eu quiser. Assim como o Elton Schmorantz não tem celular, pelo menos não um aparelho destes conectados à internet, recentemente, Skylab deu uma entrevista explicando sua preferência por não estar conectado: o faz cumprir acordos de maneira pontual e evitar desculpas para não cumprir acordos. 

Na semana passada eu encontrei um outro jeito de confirmar que o paradoxo de Shimo, andar pela rua desconectado, pode ser algo produtivo. Questões relativas ao trabalho. Eis o que fiz: contei os últimos 50 contatos feitos pelo whatsapp e separei os diálogos nas seguintes categorias. 

 

Valor total

O contato existiria se a pessoa não tivesse contato comigo pelo whatsapp, por outros meios?

A demanda não existiria se não fosse o whatsapp.

Contatos ou conversas pessoais

19

É só conversa pessoal, sem possibilidade de encontro físico: 16.

Daria para se reunir e tomar uma cerveja: 3.

Contatos ou conversas profissionais.

31

Se precisasse enviar a demanda por e-mail ou telefonar a demanda não existiria: 29.

Urgente urgentíssimo, o whatsapp foi a melhor opção: 2.


Como vocês podem perceber, essa enquete que fiz comigo mesmo confirma uma coisa importantíssima do paradoxo de Shimo: os problemas não são criados pelas pessoas. Pelo contrário, na maioria dos casos, as demandas profissionais seriam resolvidas com mais facilidade pelo demandante se o obrigassem a enviar um e-mail para recorrer a mim. Ou seja, as pessoas são inclinadas a entrar em contato pela facilidade que o aplicativo traz para exteriorizar os seus problemas. 

O Brasil é um lugar de epistemologia especial. Áudio por whatsapp, conversas prolixas e sem sentido e memes são coisas bem brasileiras. É impossível imaginar um lugar onde essa epistemologia se manifesta como o espaço razoável para o trabalho. Um cara com o meu perfil profissional acaba sendo demandando como se fosse um pizzaria para fazer pedidos enquanto o demandante pensa no que quer pedir, sem saber exatamente o que quer ou sem ter condições de pedir um sabor especial mais caro, porque ouvirá um "não faço; faça você". Quando essa mesma percepção é levada para grupos em aplicativos de conversa, a coisa ganha uma dimensão ainda maior. Egos são expostos publicamente, ficam vulneráveis e a fraqueza da sociabilidade fica ainda mais evidente.  

Coaduna com minha pesquisa do instituto "tirei do cool", a percepção geral de colegas e amigos: "estou muito cansado"; "tenho a impressão de que faço tudo sozinho". É o que ouço de todos que trabalham e precisam usar para algum tipo de atendimento ou demanda o whatsapp. Todos atendentes de pizzaria. 

O que quero mostrar alguém razoável já percebeu: as pessoas estão trabalhando não para cumprir demandas, mas para atender as necessidades movimentadas pela ansiedade daqueles que usam essas ferramentas de comunicação com coisas que jamais seriam problemas meus se fossem problemas reais de quem procura uma solução. 

Espero que o Shimo leia isso e continue uma inspiração para quem quer abandonar a comunicação pueril. Ele nos mostra que é possível usar a internet e a comunicação de redes sociais de maneira sadia, evitando trabalho, retrabalho e confrontos desnecessários, porque inexistentes na materialidade. 

Um tópico final é sobre a percepção óbvia de que as demandas são movimentadas por pessoas desinteressantes, preguiçosas e isso deixa em alerta e sobrecarga indivíduos com algum tipo de tendência a pro-atividade. O que não pode ser medido é a inteligência emocional (e social também) daqueles que rejeitam a sobrecarga. Com um grupo gigantesco de ansiosos, ficamos parecemos ludistas, olhamos para a máquina e falamos mentalmente com os parafusos do sistema: "calma lá, amigo! Se a demanda poderia ser passada para sua secretária, não ranja seus dentes diretamente comigo". Nessa espuma que a onda levou, ignorar um pedido é muito mais custoso do que pensar em como resolver o problema; mostrar que a pessoa poderia resolver o que pretende sozinha se transforma numa afronta equivalente a uma ofensa a todo tipo de inteligência, principalmente as mais limitadas. 

Ultimamente, descolei da minha experiência frase prontas do tipo: "não faz parte da descrição da minha função lhe entregar isso organizado da maneira que você quer"; "no sistema da universidade você encontra essa informação usando seu número de matrícula e pesquisando nas abas"; "essa demanda vai entrar em uma fila enorme de e-mails, portanto, manda-me um e-mail que eu analiso a real necessidade de alterar a ordem de importância do que você está me pedindo para compará-la com as outras necessidades e prazos"; "posso atender seu pedido, se você me enviar o que precisa minutado para que eu insira na próxima reunião". 

E o que acontece? As pessoas desistem de que aquilo é um problema, encontram outra forma de resolver por conta própria, assistindo um tutorial no Youtube ou se zangam comigo. Normalmente, as três coisas ao mesmo tempo. 

O paradoxo de Shimo não exclui a internet ou as redes sociais da vida das pessoas, apenas ensina que não somos secretários uns dos outros. 

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Quem ganhou foi Lula; quem venceu foram os anos 90.

64, 66, 68, um mau tempo talvez
Anos 70, não deu pra ti
E nos 80 eu não vou me perder por aí...

[Horizontes, Bailei na Curva, Flávio Bicca Rocha]


Quem venceu as eleições foram os anos 90, ou o espírito que os formou, com todos os seus erros e acertos. A divisão do país não foi gestada nos 90, lá estávamos sendo apenas criados, porcamente educados de maneira irrestrita e ampla, pela primeira vez, vimos a expansão real da educação coadunada com o desejo de trabalhar e progredir, sem divisões. Pela primeira vez, desde os anos 50, houve a oportunidade de enxergar uma realidade não-inventada, completamente dependente de nós mesmos. Não tenho dúvida que as futuras gerações olharão para os anos 90, como olhamos para os 50 e pensarão: "parece que foi a última vez que tivemos uma chance". 

As viúvas de um período que não viveram não são muitas, nem a maioria, não provocam um empate ou uma "divisão" por dois do Brasil. A realidade inventada da divisão é proposital. O mapa acima mostra, justamente, que a divisão não veio dos anos 90, foi amplificada pela incapacidade de uma parcela coadunada e captada para não aceitar o que nos educou e criou. Pelo contrário, mostram que foi gestado um buraco entre o Brasil do presente e do passado. Um buraco gigantesco, olhado com estranheza pelos mais atentos em economia e social, esse buraco gigantesco venceu, é o Merthiolate arde para nos curar. É a frustração da escolha que foi nossa e precisamos reconhecer como nossa. Quem venceu foi a banheira do Gugu, os Mamonas Assassinas, Bebeto e Romário. Nossas viúvas são jovens e idosos, não são pessoas que tenham de fato passado pelos anos 90 e entendido que se tratava de uma ironia da história nos cobrando responsabilidade e frustrações pelos nossos erros. A ideia de liberdade resiste aos anos noventa, apenas porque, sim, existe uma parcela inventando a possibilidade de sermos irresponsável, como éramos antes dos anos 90. Sequer o poderoso sentimento de liberdade nos divide.  

Finalmente, todos os brasileiros foram obrigados a aprender a se frustrarem. Nem todos conseguem absorver a lição, mas ninguém consegue ignorá-la, porque ninguém, antes, ofereceu essa oportunidade para os brasileiros, agora, sim. É necessário um homem pequeno, diminuto e imoral para o maior elogio que a liberdade irresponsável já viu. É necessário transformar a liberdade irresponsável em ignorância orgulhosa. Foi necessário a idolatria para chegar à frustração. A mediocridade, como autodefesa da realidade não-inventada, precisa dar lugar a frustração. Inventa-se micro-realidades, para atender a demanda. 

Por certo, que o medíocre não é o único que se frustra, mas é o único que não reconhece a frustração como um objeto interno a ele mesmo. A frustração do medíocre não vem como vem a derrota de uma pessoa normal, precisa ser transferida às esferas mais baixas entre seus pares. As massas de medíocres se insurgem para defender o único, entre eles, que catalisam como responsável pela realidade. A marca indelével dessa transferência de responsabilidade não é uma marca característica dos anos 90, mas todas as outras características se mostram um pouco maiores, a ponto de vencer um passado irresponsável. 

Fundamentalmente o que vimos foi uma vitória dos anos 90. Aqueles que reclamam "empate" apenas delimitam o acerto. Foi nos anos 90 que os medíocres aprenderam que empatar é pior do que perder: um esforço muito maior precisa ser empregado pelo derrotado para chegar, absolutamente, no mesmo lugar que chegaria se já se declarasse um mísero derrotado por cansaço. Os anos 90 triunfaram sobre a mediocridade. 

sábado, 4 de junho de 2022

Guerra cultura: Brasil, uma batalha esquisita

Passei 25 dias lendo fanfic da extrema-direita, meu cérebro não derreteu, mas... 

O problema em termo da guerra cultural nasce de tensões estéticas e urbanas, estabelecidas especialmente a partir da pluralidade de recursos culturais. Nos Estados Unidos, o termo foi empregado por Robert Mapplethorpe (1946-1989), fotógrafo nova-iorquino que utilizou o termo para se auto-identificar em meio a tensão de críticas a sua própria produção com fotografias potencialmente eróticas. São três os campos de batalha da Guerra Cultural, desde então: religião, sexualidade e etnia. No Brasil, a própria perspectiva de tensão é frustrada. E eu vou tentar explicar porquê.


Por conta de inabilidade no trato dos problemas centrais, falta de comprometimento epistêmico com aquilo que de fato se defende, a guerra cultural no Brasil não foi ruralizada, como nos Estados Unidos, mas pouco se toca nos problemas que concernem a sexualidade e etnia diretamente. Os conservadores brasileiros preferem uma abordagem voltada para o conspiracionismo. As teorias da conspiração utilizadas por aqui não são divergentes daquelas das quais se aproveitam os escritores dedicados ao tema “Guerra Cultural” na América, mas possuem características especiais. Em primeiro lugar, a estética que é sugerida se transforma em algo não-rural ou de “desenvolvimento” urbano do interior. Em segundo lugar, por falta de uma estética conservadora no estilo “texas ranger cowboy”, as noções de família, raça ou mesmo o antissemitismo, marcas latentes destes escritores nacionais é fundamentalmente levada para uma religiosidade católica-conservadora, paralela ao neopentecostalismo latente da sociedade brasileira.

A expressão “guerra cultural” é utilizada para identificar o “debate público” sobre os três temas centrais sem se voltar diretamente para eles; sempre tratando indivíduos ou grupos no campo político “comunista” ou “anticominista”, tentando reduzir a isso a própria História, dentro da tensão política-cultural.

Os escritores que tentam se identificar com esse fator no Brasil possuem duas características em comum: Olavo de Carvalho como fonte primária de seus escritos; e pouco ajuste em referenciais diretos com as teorias da conspiração coirmãs norte-americanas. Essa observação não decorre apenas do fato natural da dificuldade que tais indivíduos têm com a língua estrangeira. Mais do que isso: Olavo serve como uma barreira estabelecida entre a estética rural-pentecostal americana e a defesa da tese geral de desmonte do ocidente pelo declínio do catolicismo. Este filtro evita que nossos “escritores conservadores” precisem aderir ao pentecostalismo em si, e permite que seu conspiracionismo caminhe em paralelo com os colegas brasileiros, movimentados por pastores.

É um atraso do conservadorismo brasileiro nos campos de batalha. Os americanos conseguem ser muito mais abertamente antissemitas, racistas, xenófobos e sexistas, pelo fato de suas teses da conspiração possuírem um pano-de-fundo descolado da tradição do catolicismo, no entanto, também há outros atrasos aqui:

i) a abertura política tardia (tal qual os totalitarismos europeus) manteve os problemas centrais da guerra cultural represados por mais tempo;

ii) lutamos uma “guerra contra o comunismo” por procuração, sem convite direto para a Guerra Fria, uma disputa sem custos militares e sociais diretos para o país; o conservador brasileiro é viúvo de uma guerra que não lutou ou sequer foi convidado para lugar;

iii) ausência de reconhecimento nacional, um país continental que não se reconhece como nação, abre espaço para patriotismo de coalisão, descompromissado com a identidade nacional, especialmente aquela do interior de sua própria terra; a preferência aqui é pela estética do agroboy americano.


A cultura artística e seus fenômenos na música e artes visuais, contraponto natural ao conservadorismo, nos termos da Guerra Cultural, teve pouca influência no interior do Brasil, quando comparado a mesma difusão, correlacionada a cultura nos Estados Unidos. Aqui, a ideia propagada de “marxismo cultural” é um fenômeno urbano, para esses “pensadores” do conservadorismo, nunca explicado de um Brasil interiorano ou contemplativo. A influência da repressão no interior do Brasil não se deu pela cultura que precisava ser administrada no eixo de produção relevante, Rio-São Paulo, mas chegou ao interior pela economia, pelo êxodo, pela fome, não pela cultura. No interior do Brasil as ideias nacionalistas coexistem com mais naturalidade com o racismo estrutural, com a mestiçagem étnica e sincretismo religioso; nas capitais com menos naturalidade e com mais truculência a cultura precisou ser preocupação do estado censor.
 A linguagem global de comunicação, de fora para dentro, do litoral para o interior, chegou muito mais tardiamente no Brasil que importava para a Guerra Cultural nos Estados Unidos, a estética contemplativa do agrário, da família nuclear, o campo onde o branco governa e o negro trabalha. Aqui não houve esse espaço de adesão.

Toda teoria da conspiração que é naturalizada no interior americano, precisa chegar ao Brasil pela esfera da religião; ali está, para nossos conspiracionistas, a destruição dos valores ocidentais e a religião resume aqui o problema da guerra cultural. Não em virtude disso, mas como consequência deste fator, o produto da produção das teorias conspiratórias aqui é pulverizado sobre uma gama de fatores geopolíticos internacionais, complicados de serem analisados por um personagem histórico que não enfrentou a guerra, mas se julga derrotado.

“As grandes religiões (catolicismo e islã), as famílias dinásticas (Rothschild, Rockfeller), as sociedades iniciáticas (monarquia e rosa cruz) e o partido revolucionário (o partido comunista)” são elementos históricos que para os conspiracionistas brasileiros resumem toda a história, os “atores-motores” responsáveis integralmente pelos caminhos comunistas traçados pela humanidade. Vale notar que todos eles são elementos de ordem religiosa, seja pela presença do judaísmo na citação direta a famílias tradicionais judias americanas ou pela presença do partido comunista, representando o ateísmo na política. O antissemitismo, quando utilizado em terras tupiniquins, por exemplo, é diferente daquele antissemitismo contemplativo americano, fundamentalmente anti-industrial ou como pedra de toque da comunicação distribuída massivamente ao interior. É um antissemitismo direto, apresentado apenas por meio da guerra cultural, na qual o ocidente é o derrotado.

Toda teoria da conspiração é apresentada para se adotar uma postura de vitimismo histórico; essa gente acredita piamente na ideia de que não existem agentes históricos externos desta perspectiva na qual quatro instituições sociais são “entidades seculares” pelas quais todo motor da história passa; acreditam na impossibilidade de que sequer exista história fora do determinismo, eventos que possam ser encaminhados ao longo de uma geração ou por um personagem influente. De Alexandre VI, o Papa Corrupto, a Napoleão, todos são sabotados e perdem seu papel de protagonismo diante daqueles que dominam os laços que amarram o ocidente.

Nesses moldes, a guerra cultural é um diálogo vazio, consigo mesmo ou com um grupo isolado, afeito a conspiração; a produção “literária” sobre o assunto reforça o título, as não arranha os problemas. Serve, outrossim, para alimentar a teoria da conspiração, “dialogar” com os seus, afeitos a explicação facilitada e reducionista. O papel de “antiacadêmico” não é adotado por esses "combatentes" da guerra cultural propositalmente. Eles gostariam de ocupar espaços dentro da engrenagem acadêmica. Se pudessem, o fariam, tal qual o fazem e redes sociais e espaços marginalizados de comunicação. O que sobraria do espaço de vítima da destruição dos valores ocidentais se assim o fizessem? Se fossem, por competência, acolhidos nas universidades? Deixar de ser antiacadêmico é o mesmo que perder a parcela no quinhão da vítima ou se aproveitar do espaço ocupado para se apresentar como perseguido. Essa gente é fundamentalmente mimizenta, vitimista e canalha. Aplicam para si a metodologia de escrita de "seja aquilo que critica nos outros". 

O conservadorismo brasileiro, tardio no interior, precisou disputar espaço no turbilhão de lutas sociais, busca de emancipação de direitos dos grandes centros urbanos. A qualidade baixa dessa disputa também pode ter tido alguma influência, mas o problema deles ainda é religioso (como eles insistem em resaltar) e geográfico (como eu estou apontando). O local é perfeito para perder uma batalha. Pela dificuldade de acesso a bens culturais que antagonizaram com a tensão da guerra cultural, a disputa aqui é mais recente, interiorizada apenas muito mais tarde que na América. Mais recente e menos emblemática, aliás. Racismo, antissemitismo ou machismo foram naturalizados no campo da tolerância que temos com os conspiracionistas nacionais. E isso é muito diferente de um conservadorismo que opera de dentro para fora, pelo campo dos costumes conservadores. A “discussão”, aqui, é feita para dissimular os próprios fracassos. Tocar abertamente nos problemas que originam a expressão é o mesmo que mostrar as feridas da própria derrota. Existe uma permanente necessidade de deixar de lado os problemas reais de conflitos religiosos, étnicos ou sexuais. O tema da religião, por outro lado, é permanente e flerta com todos esses tópicos, desproblematiza-os. A religião flerta com todas as esferas do histórico e do político e, eventualmente, com a guerra real, seja a revolução bolchevique ou a contrarreforma jesuíta. Mais do que ser a base para a teoria da conspiração, a guerra cultural é o método pelo qual o conservadorismo sobrevive na marginalidade. 

O conservador brasileiro é basicamente um derrotista, vítima da história, seus valores foram martirizados no sangue da guerra da qual nenhum ancestral seu participou e ele sonha em ser convidado para participar. O atestado do suburbano global
, europeu por "herança" e americano por "cultura", precisa ser carimbado com a desculpa dos motivos pelos quais não fazemos parte do ocidente. É impossível para o conservador urbano nacionalista contar com algum incidente histórico real que tenha maximizado o ocidente, a religião cristã e os valores estéticos presentes em sua memória cinematográfica. Sem ter diante de si sequer a estética rural de um oeste, é preciso que ele recorra a imagens ainda mais abstratas e estranhas. Com a derrota em todas as guerras religiosas reais desde o século XVI, a vítima precisa recorrer a imagem das Cruzadas. O conservador brasileiro basicamente é um cosplay de cavaleiro templário na praça de alimentação de um shopping. 

terça-feira, 30 de novembro de 2021

Orçamento secreto, ilimitado, on line e custo/benefício

Eu estava revendo coisas que escrevi quando estive em Londres e relendo minhas próprias ideias, como é natural aos não-completamente idiotas. Tentei explicar naquela oportunidade que comparar valores de artefatos de luxo com produtos populares é uma intransigência de pessoas com alguma preguiça moral, sedentos por cortar cabeças, impiedosos com o dinheiro alheio. Tornei a me lembrar disso porque o comércio eletrônico entrou na minha vida de forma irreversível. Claro, que não tenho comprado nada de luxo nas últimas vidas que tive nesta Terra, mesmo assim, a internet nos deu poder de comparação para pesar o custo/benefício das coisas de compramos, não tínhamos antes, sabemos bem. E isso é tão democrático que vale para praticamente tudo, de relógios populares a carros de luxo, passando por toalhas de mesa. 

Alguns artigos despertam mais o interesse dos consumidores e das empresas de comunicação que se especializaram em release, review, unboxing e outros meios de narrar a experiência com um produto. Equipamentos eletrônicos ligados à tecnologia têm mais chance de despertarem o interesse do consumidor que procura por isso on line, porque - ao natural - é um consumidor que compra on line com mais facilidade, compara preços e se importa com o que tem para gastar. A relação entre custo e benefício foi alterada para tudo nas relações humanas. Namoros e paternidades têm sido pesados de maneira desumana e isso tumultuado as relações interpessoais, mas vou respeitar a minha regra de nunca falar sobre assuntos de psicologia comportamental, pelo profundo desgosto que tenho pelas pessoas que tratam disso como uma profissão da área da saúde. Gentalha, claro. 

O que quero dizer é que as relações de custo/benefício, afastadas do varejo, são outras no consumo, hoje em dia. A compra por impulso, na vitrine da loja, se limitou a quem não tem acesso à crédito ou mesmo à internet; também para produtos difíceis de serem transportados ou que preferencialmente são "provados", como vestimentas. No geral, o varejo vai desaparecer. 

Agora, você tem a oportunidade virtual de comparar aquilo que você está comprando com o pináculo da tecnologia em torno de um determinado produto: materiais mais duráveis, sistemas mais rápidos, desempenho e eficiência melhores. E pode fazer isso com absolutamente tudo o que deseja consumir. Isso desafia todos aqueles que - sem uma concorrência desse tipo, no passado - eram reconhecidamente os melhores nas suas áreas.  Principalmente, produtos de luxo. Custos precisam ser cortados, mas a pesquisa continua sendo a chave do problema para eles. 

Isso existe nos sistemas econômicos abertos no mundo todo, mas você precisará de uma caricatura econômica para entender o problema. E essa caricatura é o Brasil, um país onde as viúvas de um passado ruim e tacanha são saudosistas de Gol 1000, Corcel, Opala e Fusca. Carros ruins? Não. Horríveis! Apenas a única coisa que se tinha a disposição por burrice política e protecionismo. Até nosso nacionalismo é um projeto importado e mal executado. 

Vivemos tempos economicamente bizarros em muitos setores. As montadoras de automóveis de luxo, por exemplo, produzem com menos qualidade do que antes e cobram mais caro por isso. Aqueles que podem pagar querem, de fato, ostentar sem comparar, a marca faz diferença pra eles. Outros, na outra ponta da corda cada vez mais tensionada, trocam a carne vermelha pelo frango, o frango pelo ovo e o ovo é substituído - tenham piedade! - pelo que quer que seja. 

Concluo dizendo que recomendar a morte de Paulo Jegues é um imperativo moral e econômico inevitável. 

Cito Eduardo Cunha: Deus tenha misericórdia dessa nação!

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Até quando cala, Lula está te roubando

 A segunda metade dos anos 90, não produziu muitos políticos habilidosos. Brizola, talvez, com um pé na primeira metade. O resto da nossa inteligência política foi convertida em safadeza. Lula, hoje, é o principal responsável pelo não-impeachment do presidente da república. A manchete não é "Lira não vota pedidos de impeachment" é "Lula não quer a frágil oposição o impeachment". Faz isso, ao mesmo tempo que evita acenar para as elites e deixa a imprensa criar o mantra de que seu melhor jogo é "calado", esperando o antagonismo da campanha eleitoral. Vivemos, hoje, o PT de 2015: melhor prever como é mais fácil ganhar amanhã e dobrar a aposta. Vencer com Temer no governo era mais viável em 2016. Hoje, só com Bolsonaro elegível, Lula vence. Chegamos no estágio no qual a política brasileira é dependente da destruição do Brasil e da sua ingovernabilidade. Somos reféns de canalhas. Fomos sequestrados por canalhas. 

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Lata de Lixo da História Política


Nunca foi sobre voto impresso, muito menos sobre auditoria nas eleições. A demanda homérica criada pelo mandatário do poder Executivo é um plano novo, desesperado, de alguém que perde apoio político e vê as chances de reeleição diminuírem, dia após dia. Bolsonaro ficou com medo das urnas, porque - pela primeira vez - tem algo a perder. Acuado, encampou sozinho, sem apoio sequer na explanada dos ministérios, a ideia de um "voto impresso e auditável".

Nunca foi voto impresso. 

A lata de lixo da história acolhe pessoas vivas. Olavo de Carvalho é um excelente exemplo. Mas não da lata de lixo da história política! Trata-se, outrossim, de outra figura pública, articulista de jornais brasileiros importantes até 2005; uma outra figura, quando era astrólogo, bem antes disso, quando tentou a vida acadêmica. A lata de lixo da história de Olavo de Carvalho é acadêmica. Acuado, ignorado e desmentido pelo sistema organizado de produção intelectual, ele entendeu perfeitamente quando estaria sendo jogado na lata de lixo da história. Trocou a mendicância nas ruas de São Paulo pelo autoexílio, no momento mais oportuno de todos: o primeiro governo Lula, um governo "comunista". Mendigar nos USA, além de aparentemente mais coerente, é mais fácil. Ele não precisa assumir a responsabilidade jurídica e intelectual dos absurdos que passou a dizer. Basta que consiga criar uma vaquinha na internet para conseguir voltar ao Brasil, em seus tratamentos de saúde. Afinal, a vida de um idoso mendicante nos Estados Unidos também não é nada fácil. 

Qual o momento certo para Bolsonaro assumir o papel que lhe cabe na lata de lixo da história política? A pergunta não é se, mas quando. Ele é a pessoa mais vulnerável a perda do apoio que o elegeu. Diferente dos seus defensores oportunistas, como Onyx Lorenzoni ou Osmar Terra, com oportunidade de se refugiarem em cargos no Congresso, Estados e Prefeituras, Bolsonaro está sozinho. Personagens que o orbitam, sempre tiveram algo a perder. O momento mais oportuno para ele assumir o seu lugar na lata de lixo da história é mais parecido com o de Jânio Quadros do que com o de Fernando Collor. O ataque a urna eletrônica dá Bolsonaro a tese da inexigibilidade. Atacar a urna eletrônica reiteradas vezes é atacar o Supremo Tribunal Eleitoral e, na cola, todos os ministros do Supremo. É implorar para ser investigado, condenado e se tornar inelegível. A lata de lixo perfeita, no momento perfeito. É muito difícil ficar por cima do chorume, mas não custa tentar. Olavo conseguiu; Jânio conseguiu. 

Sem apoio para criar um partido político e com as chances de um segundo turno ameaçado, o papel de perseguido político de Bolsonaro é a única coisa que poderia lhe unir a Lula. É sua única chance a longo prazo. A inexigibilidade de Bolsonaro não é a única carta a disposição do presidente mais inepto, desde Jânio Quadros. É a alternativa do momento. Todas as outras ele não consegue reconhecer por burrice mesmo. Com a inexigibilidade, ele pode ter a chance de ser para a política aquilo que Olavo de Carvalho é para a universidade, um pária, ignorado, sustentado por vaquinhas on line

O papel de Bolsonaro será para sempre uma mistura de Jânio com Olavo: denunciado por algum filho, dependente dos votos de São Paulo para ser prefeito e sustentado pela mirrada militância que aceita orbitá-lo. 

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Até onde me lembro, ninguém estava interessado em normal algum. Imagina só o "novo normal"


O "novo normal" é uma expressão criada por aquilo que - um dia - foi a mídia hegemônica para identificar o funcionamento da sociedade durante e pós pandemia. Trata-se de um grito desesperado por um espaço que eles jamais ocuparam, mas - por tantas e tantas circunstâncias - foi fácil fazer de conta que ocupavam, porque é isso que se faz quando se está em uma posição de hegemonia: se faz de conta que nunca sairá dela. A mídia, agora, é só normativa e tenta influenciar pelo espetáculo e pelo sentimentalismo. É o preço que se paga em uma sociedade infantilizada, onde um reality show com velhos, tratados como crianças, cantando num mega-karaokê, tem mais chances de influenciar decisões política e morais do que um noticiário. 

Essa é uma definição nova de mídia, em confronto com uma definição antiga que eles ainda tentam sustentar: se julgam uma ponte entre os fatos e a sociedade. O caminho sobre essa ponte é repleto de sinais, lombadas e pedras normativas. Mais do que se comportar como um canal para os fatos, a mídia e, especialmente, o jornalismo sempre foram normativos: buscaram ditar a conduta das pessoas em sociedade, apontando soluções. Faz-se isso buscando culpados, descrevendo os problemas ou simplesmente dizendo que o mundo é assim e pronto. "Acostume-se, as coisas mudaram", insistem eles. "Vamos mostrar um beijo gay na novela, sim. Não se assustem, é o novo normal. Vejam: está tudo sob controle. Vamos mostrar o tal beijo gay meio que de "cima pra baixo". E vamos mostrar uma vez só. Não podemos correr o risco dos últimos patrocinadores também debandarem para as redes sociais, como fez o público! Se quiserem rever a tal cena 'polêmica', procurem na internet... fizemos nossa parte!". 

Pois é, as coisas não mudaram, nem o mundo é assim como eles dizem ser e sequer conseguem descrever os problemas com alguma habilidade que os autorize a apontar soluções.  

O fracasso mais recente desse golpe tomado pelo pessoal que come caviar e arrota regras vem na expressão "novo normal". Seu pano-de-fundo mostra o conflito da forma como o politicamente correto espera que as pessoas passem a se comportar em meio a uma pandemia e, inclusive, após ela passar. Esse conflito escancara a dificuldade dessa gente em admitir que eles não têm força imperativa alguma. Pelo contrário, suas agendas são dominadas por redes sociais, pela forma de cancelamento advinda do público e, fundamentalmente, pela completa falta de capacidade de encontrar uma explicação racional e coerente para o que está acontecendo. O público deles foi treinado para jamais suportar explicações racionais e coerentes. Foi treinado para se acostumar de levinho com o "novo normal". E o melhor lugar pra continuar mantendo essa prática preguiçosa é na rede social e não lendo o jornal ou vendo TV. 

Na dúvida, o cético suspende juízo. Na mesma dúvida, o noticiário dá um tremendo chute e surge o "novo normal". Pois é, faltou lembrar que ninguém quer o "novo normal", porque o antigo já era uma porcaria.  

Se eu precisasse dar um chute, seria esse: ceticismo é o novo sexy. 

sábado, 7 de novembro de 2020

Eu esperava mais dessa gente

 O apagão de energia elétrica no território - eterno território! - que insiste em ser Estado, Amapá, não é um inconveniente normal. Na verdade, não é nem um inconveniente a julgar pelo candidato à prefeitura, Josiel Alcolumbre. Na campanha, ele esconde o próprio sobrenome para evitar ilações diretas com o irmão, presidente do senado. David Alcolumbre é herdeiro político da canalhice e, portanto, ruim de voto. Não chegou nem no segundo turno quando concorreu a governador. Quis a desgraça em Brasília que se torna-se presidente do Senado. Alcolumbre é uma família de judeus capaz de fazer o maior corola de mesquita se comportar como um antissemita radical. Josiel, por sua vez, busca alguma herança política em cima da roubalheira; não perdeu tempo e foi para a rádio terceirizar a culpa de um déficit logístico pelo qual seus antepassados são responsáveis diretos. Conseguiu energia elétrica provavelmente em algum gerador ou no próprio rabo para gravar sua propaganda eleitoral.

Em meio a isso, fica um povo alijado, sem energia elétrica, no Estado que percaptamente mais a produz; sem acesso a água potável, ao lado do maior rio do mundo; sem acesso a combustível ou comunicações. O incêndio foi, sim, provocado por um raio, mas é resultado de incompetência, burrice de um povo que privatiza ou estatiza sem saber o que esta fazendo. É o legado da colonização de um povo que elegeu Alcolumbre e se submeteu como curral eleitoral de segunda-mão de José Sarney no passado próximo.

A esquerda pueril e cirandeira mente soluções; a direita se aproveita da desgraça. E toda desgraça é pouca, enquanto não houve mortos. 

Philip Roth, estupefato com o fato dos gays demonstrarem o desejo honesto de casar, já havia explicado que burrice não tem raça ou opção sexual: "eu esperava mais dessa gente, mas pelo visto eles também não têm senso de realidade". Pois é, nunca tiveram.

Se você quer saber mais sobre como a família Alcolumbre enriqueceu explorando índios, acesse.

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Finalmente, o legado da Copa!

 Não é qualquer lugar que pode ter a sua história separada em ciclos, uma sucessão de etapas em torno dos mesmos pontos: conservar a injustiça e perpetuar a burrice. O Brasil é um desses lugares. Colônia, império, primeira república, estado novo, democracia e ditadura militar são ciclos em torno da nossa ignorância e dos nossos fracassos. Só conseguimos justiça distributiva se for o caso de distribuir a perda de oportunidades e retributiva se precisarmos retribuir a brutalidade com mais intolerância. 

A história recente também sobrevive desses ciclos. Dois mil e treze foi o eclipsar de um que teve seu ponto alto na copa do mundo de 14 e encerramento no impeachment de 15. Restou desse processo o BRT ou metrô? Não. Foram obras que nunca acabaram. Hospitais, centros de pesquisa? Não. Não se usa pão e circo para essas coisas. Aprendemos com isso que a esquerda não tem licença para roubar? Também, não. Apenas demos a direita a oportunidade de fazer isso por algum tempo. 

Na perda dessas oportunidades, talvez, o único legado que nos reste virá com a pandemia.

Nela, aprenderemos que o paradoxo da tolerância precisa ser superado, que vidas pouco importam quando a liberdade não faz sentido. O corona vírus derrubou mais máscaras do que vestiu e descobrimos que o pior canalha de direita é aquele capaz de se contaminar e defender a contaminação dos outros, quando estiver curado, afinal: os mortos são irrelevantes quando abatidos em guerras, quê importam os mortos da guerra que não fomos convidados a lutar? Não aprenderemos que Darwin tem razão, porque o processo de aniquilamento dos menos aptos é lento demais para nossa burrice incondicional frente à ciência, mas descobriremos que - como legado! - a escola não ensina, a universidade só serve pra distribuir diplomas para ineptos egoístas e narcisistas e os hospitais não funcionam para os pobres. 

Talvez possamos separar pessoas para o lixo da história, iniciar outro ciclo com outros mentecaptos no poder e - talvez um dia, como legado! - de fato eliminar aqueles que atrapalham, levar para el paredón aqueles que estão no mundo a passeio e, finalmente, matar um presidente ou outro. Tudo apoiado nos princípios de tiranicídio já conhecidos pela civilização a algum tempo. 

Talvez um dia - como legado! - possamos superar o paradoxo da tolerância e nos tornarmos livres. 

segunda-feira, 15 de junho de 2020

A tentativa de sequestrar outra agenda da educação pública

Eu não costumo falar a respeito de mim mesmo porque minha vida é tremendamente desinteressante. Desde que esse espaço existe, e lá se vão uns treze anos, o leitor raramente sabe onde estou ou o que eu ando fazendo. Não vejo contexto nessas coisas. Prefiro a literatura que fala a verdade mentindo; e a filosofia que mente falando a verdade. Se o patriotismo foi o último refúgio dos canalhas, talvez hoje o cinismo seja o único refúgio dos patriotas.

Assumi recentemente aquilo que considero o maior desafio profissional da minha vida: ser professor de universidade. Optei pela universidade pública porque fui criado dentro dela e, nas poucas vezes que estive em universidades privadas foi como bolsista, para defender o público. Meu carinho pela educação pública é honesto e orgulhoso e, mesmo sendo péssimo na memória dos nomes, sei o nome de cada professora que me atendeu desde a pré-escola.

Nesse momento terrível de pandemia, a exigência do isolamento social aguçou substancialmente o complô contra o ensino público. Isso aconteceu, porque fez crescer na universidade aquilo que eu considero o tipo mais rasteiro de auto-sabotagem: a sabotagem interna ao ensino.

Em todos os níveis da educação, é flagrante que a última prioridade das autoridades, gestores privados e da própria sociedade civil, é a volta às aulas de forma regular, com alunos dentro da sala de aula. Isso acontece por dois motivos: o cuidado natural que devemos ter com as crianças, por um lado; e, considero tão importante para entender o porquê da falta de pressa em fazer algo pela educação, o desinteresse político. Ou alguém imagina que surgirá por aqui uma sugestão de reduzir o número de alunos dentro das salas de aula, como aconteceu em Israel que limitou o volume de estudantes a 15 e fez a maior contratação de professores desde a reconstrução da Alemanha no pós-gerra?

Sendo assim, não tenho medo de prever: a última coisa que a sociedade brasileira fará será colocar alunos dentro da sala de aula. Mesmo na quarentena e no isolamento social mais hipócrita e meia boa do mundo, a preguiça e medo manterá todos fora das salas de aula até o fim completo de qualquer risco à saúde.

Ponto. Nova linha. Dito isso, vou falar da universidade.

O discurso deteriorado, envolvendo conchavos conspiracionistas está, nesse momento, tentando fazer crer que o melhor para o campo do ensino das universidades públicas é, acreditem, não fazer nada. Trata-se de um discurso conspiracionista, porque vende a ideia de que estamos diante de um grande plano do "neo-liberalismo", "capitalismo mercadológico", e faz uso de outras liturgias flagrantemente cartilhescas e ultrapassadas para tentar incendiar o fim da universidade pública com a privatização e isolamento acadêmico em meio ao tecnicismo. O objetivo de quem vende esse tipo de agenda é basicamente ficar fora da sala de aula e, ao mesmo tempo, tentar anular as sugestões de alternativas que pretendem levar o ensino por ferramentas tecnológicas, textos impressos, atender orientados e todas as outras atividades ligadas a dar atenção ao ensino. O resultado da conspiração interna acaba licenciado a própria universidade e seus gestores de buscar soluções para uma efetiva universalização do ensino.

Demonstrado que se trata se um projeto de auto-sabotagem conspiracionista, vou mostrar que se trata de uma tentativa igualmente nefasta de negacionismo.

A tentativa de anular a possibilidade de retorno das universidades públicas ao ensino por outros meios é negacionista, porque ignora o problema real que estamos enfrentando: uma pandemia. Se por um lado, apegam-se a ideia de que haverá o fim das atividades presenciais das instituições de ensino superior - um absurdo institucional conspiracionista desprovido de qualquer base prática, teórica ou empírica -, por outro, negam que o estado pandêmico seja um problema real que exige proposições e sugestões para atender os alunos no campo do ensino. Esse raciocínio ignora o ensino como um direito social que tem na universidade um dos seus principais pilares. Basicamente, trata-se de levantar as mãos para o alto e dizer: "e daí? É uma pandemia, eu não posso fazer nada a respeito do ensino". "Sim, é meu trabalho buscar soluções para atender alunos em um momento de crise como este, mas eu nego que seja um problema real que a universidade pública precisa enfrentar. Precisamos assistir esquifes sendo empilhados em um eterno luto que nos redimirá de todos os nossos pecados enquanto nação". Como sabemos, não estamos diante de uma gripezinha, nem de um evento isolado ao Brasil que vai, simplesmente, passar na semana que vem. Portanto, é sim um discurso negacionista. Serão, sim, meses afastados de qualquer indício de normalidade na educação, pelos motivos já observados.

Demonstrado que a auto-sabotagem do ensino universitário brasileiro é muito mais enfileirado ao "gabinete do ódio" instalado dentro do Palácio do Planalto do que se imaginava, vou me dirigir especificamente aos meus colegas e alunos, incluindo alunos dos meus colegas:

Do ponto de vista de um professor que ama aquilo que faz, é desalentador e desmotivador imaginar que existe uma tremenda facilidade de professores e funcionários públicos negacionistas e conspiracionistas em cooptarem uma parcela dos alunos. Divido esse desalento com muitos colegas que estão nesse momento buscando levantar sugestões propositivas pelo ensino universitário em meio ao ruido produzido pelo conspiracionismo e negacionismo. Desmotiva, mas não surpreende. O que garanto é o seguinte: trata-se de uma parcela diminuta e barulhenta, envolvida em uma moldura de militância universitária, antiguada, ineficiente e improdutiva. Quando bem pesquisado - e um dia será -, também se observará que se trata da parcela desinteressada pelo ensino dentro da sala de aula. Eles lidam com uma imagem de universidade improdutiva e repetente, são os candidatos naturais ao júbilo. No entanto, não se trata do maior contingente de estudantes. Existem os interessados. Eu mesmo coloquei no ar um curso livre - pro forma ao currículo regular - e lá estão mais de 300 alunos. Duvido que conseguirei atender todos. Não tenho suporte da universidade para os atender e vou me responsabilizar pessoalmente por cada um que tiver interesse nas atividades, na universalização da universidade sem distribuição de diplomas e afeita ao binômio: professor dá palestrinha, aluno faz de conta que aprende.

Há brasileiros interessados em educação. Há professores, alunos e administradores em universidades que não são conspiracionistas e negacionistas. O melhor jeito de se manter refém de um problema, alheio à efetiva liberdade positiva que nos fornece ferramentas de trabalho para a universalização do acesso à universidade, é ignorar que ele exista. Em última instância, nenhum conspiracionista e negacionista jamais surgirá para responder as seguintes perguntas: se não podemos atender todo mundo, não devemos atender ninguém, por quê? Devemos realmente deixar aqueles que não têm acesso às ferramentas de ensino modernas como marginais do processo sem fazer nada por esses alunos, por quê?

Para todos aqueles iludidos que ainda pensam que o melhor jeito de resolver um problema é sequestrar a agenda interna que ele gerou, eu preciso lembrar o seguinte: o inverno de 2013 só terminou em 31 de agosto de 2016. Proselitismo nunca será uma solução em meio ao debate entre livres e iguais.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Quando Cortella tem razão...

Já me perguntaram mais de uma vez quando eu penso que as coisas vão voltar ao normal. E a única coisa que me veio a cabeça até agora como resposta é: eu espero que nunca! Precisou vir Mario Sérgio Cortella a público para falar algo filosoficamente relevante sobre a Covid no Brasil. E foi oportuno! Cortella tem razão em suspeitar que o brasileiro pensa poder se redimir de todos os seus pecados empilhando os corpos de mártires dessa tragédia.

Bolsonaro, Jânio e as lições da história, escreve Thales Guaracy ...Estamos em um estado das coisas analisado pelo ângulo errado desde muito tempo. Há quem veja tudo isso como sintoma de uma sociedade politicamente sucumbida. Já penso que não se trata de um sintoma, mas o efeito colateral de muito tratamento errado. Lidar com efeitos colaterais como se fossem sintomas tem um preço.

Reeditamos a história de Jânio Quadros. É preciso lembrar que nada voltou ao normal depois de Jânio, o presidente mais mentecapto e despreparado do século XX (mesmo sabendo que existiram concorrentes a altura, esse é o meu voto, sim!)

O vírus pode não escolher classe social ou fazer distinção racial, mas saímos da dúvida: qual é o comportamento do Covid19 em um país tropical para a obviedade: o vírus é, sim, mais letal em lugares onde a saúde pública e o saneamento básico não são prioridade. É preciso milhares de mortes para chegarmos na obviedade. Diferente da liturgia, a remissão dos nossos pecados não nos dá a vida eterna.

Se tudo der certo, não voltaremos a ser como antes, mas seremos exatamente como somos agora. E continuaremos com os mesmos eufemismos: desleixo e desinteresse é "resiliência"; bravata e verborragia é "nova política".

Sem trocar o remédio, podem esquecer. Sem deslocar o debate para aquilo que de fato importa, o empilhamento de corpos é o mínimo que merecemos para remissão dos pecados. Não admitir que aquilo que, de fato, é relevante é a melhora real da qualidade de vida dos menos favorecidos, combate a corrupção e funcionamento integral das instituições como pano de fundo perene é o único suicídio real da democracia. Voto é apenas o mecanismo para justificar o fim dos tempos. E, por fim, Bozo tem razão quando aponta que o ego é mais importante que o Brasil. Apenas erra o alvo quando aponta apenas para Moro, quando tenta atirar pra todo lado.

O único boicote possível da imprensa é a mea culpa e parar de bater palmas para maluco dançar. Nem a crítica merece espaço. A admissão pública de que o presidente da república reina, mas não governa, diz muito mais sobre a imprensa do que sobre o próprio presidente. Se o chefe do executivo acredita honestamente (e acredito que estamos diante de alguém suficientemente conspiratório para levar isso a sério) que "a inteligência da Polícia Federal perdeu espaço na gestão" e não faz nada pra substituir o ministro, a máxima da ausência de poder é a tônica central, e ela é mais do que suficiente para deixar qualquer expectativa de governabilidade de lado. Então, que o "basta é basta" seja a simples admissão de que "não tem problema eu acreditar que algo não esteja funcionando, contanto que se mantenha um nepotismo básico e um apoio mastigado de um setor bajulador".

Mas, se parar pra pesar, até agora, tudo bem. Afinal, chegamos ao ponto em que Cortella tem razão!