sábado, 28 de junho de 2008

Manipulação genética? Até que ponto?

Everton Maciel

Acabei de ler um livro interessante. Chama-se "O Futuro da Natureza Humana: a caminhada de uma eugenia liberal?" No mínimo uma interrogação interessante sobre a questão da manipulação genética. A obra é escrita pelo filósofo alemão Jürgen Habermas. Trata-se de um dos principais "herdeiros" da Escola de Frankfurt. Recomendo a leitura completa da obra, mas posso resumir algo aqui no Capeta:

Tendo em vista os avanços no campo da ciência biológica e a possibilidade de novos tipos de intervenção, as questões relevantes ao agir prático dessas modificações positivas - que somam qualidades aos indivíduos - geram uma problema filosófico fundamental. Habermas foi um dos primeiros a notar isso.

Sendo consenso de que toda a intervenção genética deve ser negativa, voltada para a eliminação de males, resta analisar o aumento da liberdade, gerado automaticamente a partir da possibilidade desse tipo de modificação. Para Habermas, se permitirmos que as intervenções fiquem por conta da autopermissão movimentada pelas preferências, teremos vários problemas. No entanto, Habermas se concentra apenas em um desses pontos: “o desafio da moderna compreensão da liberdade” (2004, p. 18).

As perguntas são: pode um casal escolher a cor de seu futuro filho? Eles têm o direito de interfirir liberdade do futuro indivíduo? Podem optar por ter uma criança surda, como queria um casal de lésbicas americanas surdas? Um casal pode determinar um maior desenvolvimento muscular para um indivíduo que não vai querer ser atleta, mas sim, professor?

Levando em consideração as possibilidades da ciência, são dois pontos fundamentais que precisam ser analisados para chegarmos à moderna compreensão de liberdade da pessoa: a) interferência na liberdade; b) a simetria de responsabilidades entre pessoas livres e, supostamente, iguais.

Até então, temos a nossa disposição a possibilidade de alterar o processo contingente com a “combinação imprevisível de duas seqüências diferentes de cromossomos” (HABERMAS, 2004, p. 19). No entanto, se podemos dominar essa matéria contingente que aparentemente é simples, temos uma brecha para evidenciar o poder de interferência e a natureza do nosso ser precisa ser discutido no campo interpessoal de nossas relações. Podemos levar, ainda, em consideração que, em um futuro não muito distante, os adultos poderão passar a levar em conta uma determinada composição genética desejável dos seus descendentes “como um produto que pode ser moldado”, diz Habermans (2004, p. 19).

Quando isso acontecer, esses adultos estarão exercendo sobre seus produtos geneticamente manipulados uma acomodação que interfere na autocompreensão espontânea da liberdade ética de uma outra pessoa. Para Habermans, até então isso era apenas possível com objetos. O sujeito entra em uma fábrica, escolhe o modelo do carro, sua cor, adiciona os acessórios, combina agradavelmente a cor da luz dos faróis com a cor escolhida para a lataria, ajeita a engenharia do volante para que fique adequada a sua altura, restringe o espaço dos bancos traseiros para ter mais espaço no porta-malas e, por fim, acompanha a confecção do produto.

Assim que isso for possível com pessoas, os descendentes poderão tirar satisfações e responsabilizar os produtores ou os pais poderão responsabilizar os biomédicos por eventuais falhas em suas produções. Ficam compreensíveis assim os problemas que podem ser gerados na simetria de responsabilidade entre as pessoas. Na medida em que um indivíduo toma, no lugar de outro, uma decisão irreversível que altera sua ordem natural, passamos a ter uma relação de interpessoalidade nunca antes pensada na história da humanidade. Para Habermans, isso “fere nossa sensibilidade moral, pois forma um corpo estranho nas relações de reconhecimento legalmente institucionalizadas nas sociedades modernas” (2004, p. 20).

Com efeito, observamos que as reflexões que antes eram revisórias e tinham um caráter de auto-análise acabam dando lugar a um novo estabelecimento de responsabilidade, no relacionamento entre as pessoas. Aos afetados por determinadas mudanças, Habermans observa que “restaria apenas escolher entre o fatalismo e o ressentimento” (2004, p. 21).

Para observar a compreensão ética da humanidade em seu conjunto, Habermans cita a Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, que proíbe as práticas eugênicas e a clonagem reprodutiva de seres humanos. Apesar dessas orientações da Europa não serem levadas em consideração em alguns países, precisamos nos compreender como seres normativos e de responsabilidade solidária com igual respeito mútuo.

Não se trata de questionar os estudos com células-tronco, mas de deixar claro que toda alteração genética realizada deve ser negativa: eliminando doenças, sem acrescentar qualidades irrelevantes aos sujeitos afetados. Tenho medo desses estudos no Brasil. Estariamos a caminho de uma eugenia? Não sei. Pense você...

Essa mudança no plano antropológico acrescenta à filosofia novos problemas. Segundo Habermans, os filósofos precisam discutir essa questão junto com os biólogos e engenheiros “entusiasmados pela ficção científica” (2004, p. 22).

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Para ler: O Futuro da Natureza Humana: a caminhada para uma eugenia liberal?, de Jürgen Habermas
Editora: Martins Fontes
Quanto: R$ 29,30 (no site da editora)

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