quarta-feira, 25 de junho de 2008

“O segredo está na capacidade de adaptação”

Entrevista: Tulio Milman

Mesmo com muito chão pela frente, com 40 anos, o currículo de Tulio Milman é de causar inveja a muito jornalista aposentado. Formado pela PUC de Porto Alegre, concluiu sua pós-graduação na Espanha e é proficiente em Inglês pela universidade de Michigan, nos Estados Unidos. Na mídia impressa, Tulio atuou nos jornais Correio do Povo e Zero Hora.

Ainda na RBS, foi âncora da Rádio CBN e, atualmente, divide-se entre a TVCOM, com o Estúdio 36, e a Rádio Gaúcha, comandando a segunda edição do Chamada Geral. A revista televisiva Teledomingo, que vai ao ar pela RBS TV, é sucesso de público e crítica.

Na contramão de muitos colegas de faculdade, ele pensa que jornalismo não se faz com diploma numa mão e caneta noutra, mas, sim com bom-senso e uma injeção de técnica: “Não estou dizendo que qualquer pessoa pode pegar um microfone ou ir para frente da câmera de televisão e sair dizendo aquilo que quiser. Mas o diploma não é condição fundamental para que alguém seja um bom jornalista”.

Em entrevista por telefone, Tulio analisará conosco a imprensa e suas principais mudanças nos últimos anos.

Everton Maciel

Capeta – Os veículos estão se convergindo na internet. A ausência de capacidade de adaptação desses veículos pode fazer com que alguns prosperem e outros desapareçam?
Tulio Milman – Está absolutamente correto. [Charles] Darwin, quando estudou a teoria da evolução das espécies, não disse que os mais fortes sobreviveriam. Ele disse que os mais adaptados sobreviveriam. Se fossem os mais fortes os dinossauros estariam por aí, caminhando até hoje. Eles eram fortes, mas não se adaptaram. Então, o segredo está na adaptação. E a gente já nota isso. Hoje todos os grandes jornais do mundo já têm o seu ‘.com’, né? Eles estão na internet, on line. Quer dizer, o jornal impresso vem mudando: ele é muito mais analítico, analisa a informação. A informação instantânea está na internet, está no rádio. O jornal terá que analisar as causas, conseqüências, relações, debater opiniões.

Evidente que os veículos todos estão mais integrados. Quando um jornalista está diante de um conteúdo, ele já tem a cabeça mais ou menos formatada para produzir multimídia. Aquela mesma informação: como será produzida para internet? Como aquilo vira uma reportagem de televisão? O que disso se adapta a jornal? Isso é trabalho de um mesmo jornalista que, hoje em dia cada vez mais, está capacitado a produzir vários conteúdos de uma mesma fonte, de uma mesma origem, de uma mesma notícia.

Capeta – O processo de digitalização dos veículos de comunicação eletrônicos (rádio e TV) deve causar mudanças?
Tulio – Olha, a TV já está mudando. Muda muito. Acho que a TV é o que mais muda. A rádio muda: a qualidade será muito maior. Enfim, as possibilidades de interação. Mas na televisão, a TV digital, especialmente a alta definição, representa uma revolução. Tudo muda. Para que possamos ter uma idéia: a definição, a nitidez da imagem será infinitamente superior. Então, muda desde a maquiagem das pessoas que fazem novela, por exemplo; os cenários terão que ser muito mais realistas, porque se hoje a gente não enxerga direito, com a TV digital, cada rachadura, cada pontinha mal pintada, aparecerá. A capacidade de interatividade,de você, por exemplo, ver um vestido numa novela e clicar em cima daquele vestido e poder saber qual o costureiro que fez, onde tem para vender... É uma revolução na forma de fazer conteúdo que daqui a pouquinho já estará chegando nas nossas casas. Eu acho que o ganho para o público é muito grande. O público passa a ter mais opções, uma plataforma mais sofisticada de interação, mais serviços; e pra quem produz conteúdo – que é o nosso caso – é um grande desafio. É um caminho que está começando, nem sabemos direito todas as possibilidades, mas sabemos que nosso trabalho muda muito a partir do conteúdo digital, especialmente na TV de alta definição.

Capeta – O senhor tem muito contato com estudantes em palestras, conferência e congressos. Isso serve para saber como o trabalho está repercutido?
Tulio – É. O nosso trabalho, por mais incrível que pareça, ele é um trabalho de muita repercussão. Mas a repercussão não é imediata. Quando nós estamos num auditório, num teatro, a reação da platéia é meio que imediata. Então, essa oportunidade de estar pelo interior, conversando com as pessoas, é extremamente enriquecedora para a gente. Nós conseguimos, aí sim, balizar o nosso trabalho e tentar corrigir alguns erros que fazemos sem nos darmos conta. Às vezes a gente acha que “esse é o grande assunto do dia” e vê que não é o que as pessoas querem. O retorno do público é extremamente importante. Leio todos os e-mails que me chegam, costumo responder todos – mesmo que seja para dizer que não posso atender determinado pedido. Acho que isso faz parte do nosso trabalho e, antes de tudo, é um prazer poder ter essa interação com as pessoas.

Capeta – No livro “Vença com a Mídia” (escrito por Milman em parceria com o publicitário Heitor Kramer), há uma lição sobre como as pessoas devem comportar-se frente às ferramentas de comunicação do século XXI. Afinal, a imprensa, geralmente, espera um comportamento padronizado?
Tulio – Eu acho que a imprensa espera esse comportamento. Isso não é muito difícil. Mas as pessoas não sabem isso por uma falha no nosso sistema de formação. Veja: há algum tempo, as fontes de informações eram muito restritas; havia quatro ou cinco emissoras de TV, os jornais da cidade eram dois ou três, mais um jornal de circulação estadual – que demorava em chegar. As fontes eram muito restritas. Hoje em dia, a informação está disseminada por todos os lugares. Tem muito espaço na mídia. Logo, mais gente é chamada a falar. Tem muito espaço livre em veículos de comunicação. Seja na internet, rádio, em televisão... olha a quantidade de emissoras que a gente tem hoje com programação local – do Rio Grande do Sul – antigamente, eram duas. Hoje, na capital e no interior é, pelo menos, uma dezena. Nós precisamos de mais entrevistadores, mais pessoas que saibam falar à massa. Acho essa uma falha do nosso sistema educacional: as universidades, os cursos não preparam os futuros profissionais para se relacionar com a opinião pública. Eu acho inconcebível que uma faculdade de Direito, por exemplo, não prepare futuros advogados, juizes, promotores, desembargadores para se relacionar com a imprensa, com a opinião pública, que não faz mais nada que a mediação entre o poder e a opinião pública. Então, as pessoas chegam para dar uma entrevista sem as ferramentas básicas, não é culpa delas, as faculdades não ensinam. Administração não ensina; a gente sabe que para a sobrevivência de uma empresa, de qualquer tamanho, a projeção dela na opinião pública é decisiva. Como isso é relativamente novo, porque esse processo de democratização e abertura da mídia é novo, o nosso sistema educacional está correndo atrás. Por isso há essa falha: por um lado a imprensa espera, por outro lado existem algumas regras que são técnicas de comportamento diante do microfone, de uma câmera, e muitas pessoas chegam sem saber isso. Então, o objetivo do livro foi lançar algumas ferramentas para que as pessoas aproveitem as oportunidades de conseguir passar corretamente as suas informações para seus públicos.

Capeta – Uma das polêmicas envolvendo a profissão de jornalista é sobre a graduação especificamente em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, para exercício da profissão. Como o senhor vê isso?
Tulio – Olha, eu sei que estou meio na contramão dos colegas aí. E respeito as opiniões, mas não acredito que se, para exercer uma profissão como o jornalismo se precise fazer um curso superior de quatro anos. Não acho que seja necessário.

Acho que precisa se ter uma boa noção de legislação, de ética, de técnica jornalística em alguns momentos, mas não acredito que seja um exercício profissional que necessite um curso superior de quatro anos. É claro que quem tiver esse curso superior, naturalmente, terá mais chance de encontrar colocação no mercado de trabalho; talvez seja um profissional mais capacitado. Mas não vejo uma relação como se há para uma relação de direito, medicina, engenharia, que exige um cabedal de informações técnicas e complexas que precisam ser absorvidas. Jornalismo, basicamente, é bom-senso. Isso a gente desenvolve com a prática e tendo algumas ferramentas básicas. Agora, pra mim, isso tudo cabe em dois anos. Fiz a faculdade [de jornalismo] e faria outra vez, porque acho que me deu um ferramental excelente para o trabalho, mas não acredito que o diploma seja uma condição fundamental para que alguém seja um bom ou mau jornalista. Não é isso que faz de alguém um bom ou mau jornalista. Acho que tem que ter uma preparação. Não estou dizendo que qualquer pessoa pode pegar um microfone ou ir para frente da câmera de televisão e sair dizendo aquilo que quiser. Mas o diploma não é condição fundamental para que alguém seja um bom jornalista. Tem muita gente que não fez a faculdade, como Paulo Sant’ana, Lasier Martins, que não fizeram a faculdade de jornalismo e são excelentes profissionais. E não vou citar todos que têm diploma, pós-graduação e mestrado e são umas catástrofes. Então, não vejo essa relação direta entre diploma e qualidade na profissão.

Capeta – O senhor foi enviado especial ao Oriente Médio várias vezes. Tem esperança de que os problemas envolvendo conflitos religiosos se resolvam?
Tulio
– Ah, eu tenho esperança. Tenho certeza que se resolverão um dia. Porque aquelas populações estão – hoje vou usar esse verbo: condenadas – espero que no futuro possa mudar o verbo. Mas estão condenadas a viverem juntas. Não há solução. É como um vizinho que você tem no seu bairro: ele é seu vizinho; não sairá dali; não adianta. Então, o segredo é tentar achar uma forma de conviver. Sei que é difícil. Os ódios ali [no Oriente Médio] são muito antigos. E não são apenas ódios religiosos: o problema é mais político do que religioso. No sentido de que o que está em choque ali são modelos de cultura e civilização completamente diferentes. Na medida em que a impossibilidade de conviver com a indiferença ainda é muito presente naquela região, a solução do conflito fica muito distante. Mas não há alternativa. Aquelas populações terão que aprender a conviver e a se respeitar. Fica muito difícil pela falta da democracia nos países daquela região. É muito difícil a interlocução num processo de paz com um regime que não é democrático. Mas eu tenho esperança que, devagarzinho, as pedras serão retiradas do caminho, os muros serão derrubados. Hoje em dia, a situação já é melhor, por um lado, do que era há 20 ou 30 anos. Já há dialogo, especialmente, entre grandes partes de lideranças árabes e israelenses. Já conseguem conversar – coisa que antigamente não acontecia. Eu acho que é uma questão de tempo. A paz é inevitável naquela região.

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