domingo, 19 de outubro de 2008

O protecionismo não tem um sentido sustentável II

Everton Maciel, de Pelotas

Em meio ao polêmico e até enfurecido debate sobre o julgamento do Recurso Extraordinário 511961, estive relendo o manual de lógica, “Introdução à Lógica” (Azeredo, Vânia Dutra de; Unijuí, 1997), e identifiquei várias falhas argumentativas no discurso sobre a obrigatoriedade do diploma específico de bacharel em Comunicação Social (habilitação: Jornalismo) para o exercício da profissão de jornalista. O manual é simples, mas rigoroso. Recomendo a obra para todos os interessados em compreender alguns elementos básicos da lógica formal.

Para exemplificar essa análise, retirei os depoimentos das manifestações de interessados em defender o protecionismo no jornalismo brasileiro. As manifestações podem ser conferidas no site da Federação Nacional dos Jornalistas. Infelizmente, não tive trabalho para encontrar as falácias e enquadrá-las dentro do manual organizado pela professora Vânia. A maioria dessas falácias pode ser conferida, ainda, junto a artigos de sindicalistas e representantes da própria Fenaj. No entanto, para não caracterizar uma agressão pessoal (o que também seria uma falácia), optei pelas manifestações neutras de pessoas aparentemente desligadas do meio sindical.

Vamos ao catálogo das principais falácias:
Falácia I: argumentum ad consequentiam
Trata-se da falácia pela qual uma premissa é verdadeira ou falsa em função das conseqüências desejadas (ou indesejadas) a que ela conduz.
Ex: “Espero que os ministros do STF, que devem julgar o caso, tomem a decisão pensando na sociedade e todos precisam de informação de qualidade (sic!)”. (Suely Lima)
É uma falácia tradicional. Como se a qualidade do jornalismo estivesse vinculada ao diploma. Evidentemente, isso não é verdade, como constata, por exemplo, o jornalista Alec Duarte quando compara duas realidades semelhantes, o jornalismo brasileiro e argentino, em recente publicação.

Falácia II: argumentum ad baculum
A falácia que apela para à força. A coerção da premissa força a conclusão.
Ex: “Diploma sim. Um profissional sem preparo arruina (sic!) uma sociedade”. (Lucas Liborio da Silva)
Não se trata de uma falácia muito comum, mas há “argumentadores” para todos os gostos.

Falácia III: argumentum ad hominem
Trata-se de uma arma tradicional na retórica barata, mas não tem bases lógicas. O argumentador rebate os argumentos contrários atacando o argumentador oponente e não o argumento proferido.
Ex: “O fim da obrigatoriedade do diploma de jornalista só favorece os grandes grupos de comunicação. Eles vão poder contratar repórteres, produtores e editores por míseros salários. E nós, jornalistas por formação, não vamos poder dizer nada”. (Jodevaldo Alberto Alves Pereira)
Geralmente, as empresas são as mais atacadas com a falácia argumentum ad hominem, mas os jornalistas graduados em outras áreas e, mesmo, os sem cursos superior, também, são alvos constantes.

Falácia IV: ad lapidem
Trata-se de um argumento que desqualifica uma afirmação contrária, acusando-a de ser absurda sem, no entanto, dar uma explicação.
Ex: “Se existem Universidades com esse curso, não tem porquê (sic!) tirar a obrigatoriedade do diploma, não tem lógica!”. (Daiane Parreira)
Esse exemplo encontrado no site da FENAJ é especialmente infeliz, porque a “argumentadora” apela, justamente, para a “lógica”. Argumento, que é bom: nada.

Falácia V: dicto secundum quid ad dictum simpliciter
Trata-se de uma generalização indevida, ou seja, o argumentador passa de um argumento qualificado para um ilegítimo.
Ex: “Médicos só operam porque fizeram medicina. Advogados só atuam porque fizeram Direito e passaram na prova da OAB. Por que com o jornalismo teria que ser diferente? Por que qualquer um acha que pode ser jornalista (sic!)”. (Elizângela Melo)
Indiscutivelmente, comparar o jornalismo com profissões técnicas é a falácia mais usada para defender a obrigatoriedade do diploma. No entanto, é difícil encontrar quem argumente que o jornalismo é uma profissão verdadeiramente técnica e não intelectual (como verdadeiramente é).

Falácia VI: ignoratio elenchi
Trata-se de um apelo à emoção do interlocutor.
Ex: “Uma notícia pode causar a eleição de candidato, a queda de uma bolsa de valores, o fim de uma empresa... até a morte de pessoas! (sic!)”. (Cristiano Martins)
Além de não corresponder a realidade, a tragédia proposta pelo “argumentador” Cristiano é até engraçada.


O maior argumento contra o diploma: a falta de argumentos
Afinal, qual é o argumento contra a obrigatoriedade do diploma? Predominantemente, o argumento contra a obrigatoriedade de formação superior específica para o exercício da profissão de jornalista é a total inexistência de uma justificativa que legitime essa obrigatoriedade. Não há uma justificativa lógica formal para a obrigatoriedade.

Se isso não bastasse, resumo algumas das análises já publicadas no nosso link anti-protecionismo.com do Blog do Capeta:

Não existe nenhuma justificativa lógica formal para que algo que esteja disposto no mercado de trabalho esteja, também, dentro das graduações universitárias.

O jornalismo é, essencialmente, uma profissão intelectual e, como tal, não requer formação específica. Prova disso é que sequer existe um diploma de jornalista, mas, sim, de bacharel em Comunicação Social com a respectiva habilitação.

Não se resolvem os problemas educacionais e culturais de um país de cima para baixo. Portanto, não é porque existe uma má formação no ensino fundamental e médio, gerando um falta de esclarecimento por parte da população, que a formação superior dos jornalistas acarretaria em um aumento qualitativo na formação educacional e cultural.

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2 comentários:

Barone disse...

Sensacional Everton.

Moacir Ponti disse...

animadverto eternus est